quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A INTERDEPENDÊNCIA MÚTUA DA COGNIÇÃO E DO AFETO: ATRIBUINDO SENTIDO À APRENDIZAGEM - 1ª PARTE

Quando alguns dos primeiros filósofos desvincularam-se da exclusiva preocupação com os fenômenos da natureza, passando a tecer especulações sobre o ser humano e sua interioridade, iniciou-se o debate controvertido acerca da relação entre os aspectos cognitivos (razão, inteligência) e afetivos (emoções e desejos) do homem. No início dessas especulações, foi considerado que tanto as faculdades humanas relativas à cognição quanto os afetos estariam abrigados na alma, a parte imaterial do ser humano.

A partir de Socrates (469-399 a.C.), porém, passou-se a destacar a razão como principal característica humana, a qualidade verdadeiramente nobre do homem. Para Platão (427-347 a.C.), que procurou definir um "lugar" para a razão, a alma estaria na cabeça, encontrando-se, no entanto, separada do corpo material. Assim, a alma passou a ser considerada a sede da razão, enquanto o corpo abrigaria as coisas ligadas `a emoção. A dissociação corpo-alma trouxe, portanto, implicações importantes para a relação cognição/afeto.

Aritóteles (384-322 a.C.) também se dedicou ao estudo da razão (desenvolvendo, por exemplo, a lógica dedutiva clássica), mas achava, ao contrário de Platão, que corpo e alma não poderiam ser dissociados. E assim, a polêmica corpo-alma durou muitos séculos, e mais tempo ainda tem perdurado a polêmica relação entre cognição e afeto.

O estoicismo, que marcou o período pós-socrático (cerca de 320 a.C. até o início da era cristã) e que defendido, por exemplo, por  Marco Aurélio e Sêneca, alimentou a idolatria pela razão, a qual deveria ser defendida a qualquer preço. Os fenômenos do âmbito afetivo deveria ser deixados de lado, por serem considerados perturbadores potenciais da razão. Na Idade Média, especialmente por influência de santo Agostinho (354-430d.C), à razão foi atribuído um caráter divino. O conhecimento e as idéias foram considerados a maior prova da manifestação de Deus no homem. No Renascimento, o antropocentrísmo substituiu o teocentrísmo. Várias manifestações humanas começaram a ganhar espaço, e grande parte dos filósofos do período moderno continuou a garantir a supremacia da razão. O raciocínio dualista foi coroado com o aparecimento do ideário cartesiano. Descartes (1596-1650), na tentativa de provar que os conhecimentos humanos eram realmente seguros, propôs a aplicação de métodos matemáticos à reflexão filosófica. Consequentemente, os sistemas em geral (o universo, o corpo) passaram a ser vistos como máquinas, engrenagens a serem descritas e explicadas pela análise de cada uma de suas partes.

Assim, nascia a Ciência, e a criação do método científico - baseado nas experimentações e no controle visível e mensurável dos fenômenos - consolidou a razão autônoma como única forma válida de se obter conhecimento. Bacon (1561-1626), por exemplo, tinha uma fé inabalável no poder da ciência e da lógica, confiança esta que foi inteiramente justificada pelos imensos progressos gradativamente alcançados pela ciência e pela tecnologia. O Século das Luzes (século XVIII), propôs-se a "tirar o homem das trevas da ignorância" o que, até certo ponto, foi conseguido.

Pascal (1623-1659), entretanto não acreditava qua a natureza humana, com toda sua variedade, riqueza e contradição, pudesse ser verdadeiramente compreendida com base no racionalismo. Apesar de concordar que a razão fosse uma qualidade distintiva do homem, a própria fonte de dignidade e da moralidade, ele dizia que a confiança excessiva na razão é falha. Pascal percebia nas emoções um poder não compreendido pelo paradigma racionalista, expressando-se acerca disso na célebre frase: "O coração tem razões que a própria razão desconhece".

Mais tarde, Kierkegaard (1813-1855) e os pensadores existencialista, mergulhados num ambiente de forte compartimentalização - que transcendeu as teorias e as ciências, incorporando-se também à arte, à religião e à vida familiar - enfatizaram que "a realidade somente pode ser abordada e experimentada pelo indivíduo total, como organismo senciente, atuante e pensante"(May, 1977, p. 51).

Apesar do alerta de pensadores como Pascal e Kiekegaard, a negação da subjetividade e da afetividade em nome da ciência e tecnologia predominou ainda durante muito tempo, em quase todas as áreas.


Extraído do livro: Múltiplas faces do Educar: Processo de aprendizagem, Educação e Saúde, Formação Docente.
organizadores: Nilson Fernandes Dinis e Liane Maria Bertucci.
Editora: UFPR
Capítulo escrito por: Helga Loos

Próxima postagem...continuação...o assunto que fazia parte da filosofia, foi assumido pela Psicologia - isso, no final do século XIX.

2 comentários:

  1. Muito legal o texto! Boa sorte com o seu novo blog!
    Abraços

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  2. Gostei! Continue postando textos interessantes!
    beijos

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